4.2. Os fundamentos de uma nova estratégia de controle acridiano

4.2.1. Princípios gerais

Um dos resultados mais importantes obtidos por este projeto é a possibilidade de indicar a operacionalização, em curto prazo, de uma nova estratégia de combate à praga, baseada em fundamentos científicos. Trata-se de uma estratégia local de controle preventivo a partir do conhecimento cartográfico preciso dos biótopos acridianos, assim como de ações pontuais de combate.

Os resultados que permitem enunciar tal estratégia são, em particular :

Estes resultados têm, efetivamente, conseqüências importantes para a organização do monitoramento e do controle. A demonstração do comportamento nômade dos enxames e de sua capacidade de deslocamento limitado mostra que, numa determinada região, o problema tem uma origem relativamente local e não longínqua como se pretendia até o momento. Esta hipótese tinha, aliás, o efeito de desmobilização entre os agricultores: afinal, por que tratar localmente se de qualquer maneira os enxames viriam de muito mais longe? Assim, a hipótese reportava a responsabilidade das operações de controle para as instâncias administrativas governamentais.

Os resultados do projeto monstram que o problema é freqüentemente local, começando pela fraca capacidade de dispersão dos enxames (apesar de sua mobilidade aparente e da característica espetacular dos vôos). É local porque as populações acridianas perigosas localizam-se geralmente muito próximas às culturas, passando a maior parte da estação das chuvas no estágio ninfal, protegidas nas áreas de vegetação natural, vizinhas às áreas cultivadas. Assim, não existe nenhuma razão para explicar prejuízos locais, em incriminar populações acridianas originadas muito longe (como por exemplo, no interior das reservas indígenas).

Em todos os níveis, ninfas ou adultos, o problema é prioritariamente local.

Portanto, os resultados do projeto tornam dignas de crédito as operações localizadas de controle preventivo que podem ser realizadas contra bandos ninfais durante toda a duração da estação chuvosa, nas zonas de reprodução do gafanhoto. Estas zonas de reprodução são geralmente pouco distantes das culturas e situadas no interior das propriedades (em áreas mais arenosas não cultivadas) ou nas suas proximidades. Essas operações de controle podem contribuir para baixar significativamente o nível local das populações do inseto e proteger as culturas. É conveniente que essa estratégia não seja realizada de uma maneira isolada, mas reunindo esforços de produtores locais, visando suprimir os efetivos populacionais acridianos significativamente, na escala de uma micro-região.

A longo prazo, mudanças regionais das populações acridianas podem acontecer. Em particular, as reservas indígenas constituem reservatórios importantes por diversas razões:

Entretanto, para um determinado ano (e salvo exceções locais) os gafanhotos que ameaçam diretamente as culturas não são aqueles nascidos nas reservas indígenas, mas sim aqueles que se originaram nas proximidades das lavouras, num raio de apenas alguns quilômetros. É a existência desses gafanhotos que necessita ser constatada, uma vez que geralmente são completamente ignorados, e toda precaução possível deve ser tomada.

Já em 1986-87, os consultores da FAO P. SYMMONS e L. McCULLOCH recomendavam que o combate aos gafanhotos deveria ser conduzido de forma contínua e sistemática (FORNARI, 1986; LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994a). Tal recomendação retoma toda sua justificativa, atualmente à luz dos resultados do projeto.

Não existe invasão acridiana no Mato Grosso. Existe um problema crônico de defesa fitossanitária, com pululações mais ou menos permanentes e amplitude variável de um ano ao outro, em função das condições ecológicas locais.

4.2.2. A justificativa do controle preventivo dos bandos de ninfas

É conveniente, ainda, justificar-se mais detalhadamente a escolha de opção de tratamento contra as ninfas. O problema é, de fato, mais complexo do que aparenta.

A lógica indica que se deva privilegiar a ação de supressão dos bandos de ninfas. Eles têm dimensões muito menores que os enxames; são mais sensíveis aos inseticidas (as doses são menores e as operações de tratamento deveriam ser menos onerosas) e são mais fáceis de destruir, pois não voam com a aproximação do aparelho de pulverização. Dentro desta óptica, a época mais favorável aos tratamentos é aquela pouco depois da eclosão, a partir do mês de novembro, se estendendo até os meses de março e abril.

Ao contrário, os enxames ocupam uma superficie muito mais vasta. A título indicativo, um bando de ninfas jovens de 1.000 m2 pode dar origem a um enxame que, no decorrer de um dia, em vôo, ocupará uma superfície aproximada de 20 a 30 hectares. Os adultos são mais resistentes aos inseticidas e necessitam uma dosagem de matéria ativa/ha mais elevada. Finalmente, os adultos são capazes de fugir no momento da aproximação dos equipamentos de pulverização (impondo freqüentemente a realização de tratamentos noturnos) e conseguem ainda escapar no momento da aspersão do pesticida.

A opção de privilegiar o controle de bandos de ninfas é a mesma já preconizada no início dos anos 80, pelos responsáveis pelo combate à praga.

Entretanto, nota-se que tal estratégia tornou-se muito difícil ou até impossível. As ninfas são difíceis de serem localizadas na imensidão das zonas de campo e campo cerrado, tanto a pé, como em carros, mais ainda via aérea. Os bandos ficam disfarçados na vegetação e é quase impossível percebê-los de longe, sendo detectados a apenas alguns metros ou dezenas de metros de distância. A estas dificuldades de localização juntam-se dificuldades significativas de deslocamento durante a estação das chuvas, a imensidão das superfícies a serem monitoradas, a ausência de estradas, a abundância e a freqüência das precipitações que limitam o tempo disponível para a realização dos tratamentos e ameaçam lavar o produto inseticida logo após sua pulverização, limitanto sua eficácia.

As dificuldades para a realização dos tratamentos durante a estação chuvosa são tantas que anulam as vantagens discutidas acima. A tal ponto que, durante os anos 80, por ocasião das últimas grandes pululações, os responsáveis pelo combate à praga acabaram considerando que a época mais apropriada para realizar os tratamentos, visando a diminuição dos níveis populacionais do inseto, era mesmo o período de presença dos adultos, de maio a outubro, sendo que os enxames poderiam ser facilmente detectados através de prospecções em helicópteros. Os enxames constituem, de fato, por causa de suas grandes dimensões, um alvo ideal para tratamentos aéreos, realizados principalmente pela manhã, bem cedo ou então no final da tarde, quando os gafanhotos param de voar e tornam-se menos ativos.

Naquela época (1984-88), estas operações de controle contra os enxames visavam fundamentalmente reduzir o nível global das populações acridianas, uma vez que durante todo o período de presença dos adultos, as colheitas já foram realizadas e o solo encontra-se em processo de preparação para o próximo ciclo. Tratava-se, portanto, de uma medida preventiva destinada a proteger a produção do ano seguinte, exceto no caso da cana, uma vez que esta lavoura pode ser atacada pelos adultos durante toda a estação seca.

Durante o período de presença de ninfas (de novembro a abril) considerava-se que o melhor era garantir uma proteção às lavouras somente quando invadidas (controle curativo). O controle dos bandos de ninfas presentes fora das culturas (operação que se insere no quadro de um programa de controle preventivo) era considerado extremamente difícil de se operacionalizar, por causa das razões apresentadas anteriormente.

Entretanto, os resultados do projeto mostram que esta estratégia merece ser reconsiderada, pois contribuiu no passado para desmobilizar os agricultores, fazendo-os considerar que toda operação de tratamento que podiam executar localmente era inútil, uma vez que os enxames, rapidamente, a partir de áreas mais distantes, invadiam novamente suas lavouras.

O projeto demonstrou que o problema é definitivamente local. Dito de outra maneira, os gafanhotos que representam um risco para as culturas são aqueles nascidos e desenvolvidos nas proximidades, num raio de alguns poucos quilômetros a 20 km no máximo. A estratégia a ser adotada não consiste mais em querer fazer baixar globalmente o nível das populações no conjunto de sua área de distribuição, procurando erradicar a espécie, mas sim estabelecer uma estratégia de controle integrado, permitindo conviver com esta espécie que habita o Estado do Mato Grosso muito antes que a região assim fosse chamada.

Trata-se, através de ações pontuais e regulares, de baixar localmente o nível populacional da espécie. Nesta óptica, o controle dos bandos de ninfas em estação chuvosa retorna como uma solução interessante e praticável, mesmo se esta não for a única, pois as áreas a serem monitoradas e tratadas tornam-se muito mais limitadas. Na realidade, elas estão circunscritas, não mais a toda zona de campo cerrado, mas apenas às zonas de reprodução próximas das culturas a serem protegidas. Estas zonas de reprodução, áreas de savana sobre solo essencialmente arenoso, são muito menos extensas. Sua localização geográfica, que já era globalmente conhecida pelos autóctones, atualmente tornou-se muito mais detalhada, graças aos resultados dos estudos cartográficos realizados por este projeto.


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