3.5. A antigüidade das pululações

3.5.1. Os fatos

Um dos resultados mais importantes deste projeto foi ter demonstrado que as pululações de Rhammatocerus schistocercoides sempre ocorreram no Mato Grosso, não se tratando de um fenômeno novo, relacionado a uma transformação das paisagens pelas atividades humanas (LECOQ & PIEROZZI Jr, 1995a).

Foram efetuadas extensas pesquisas bibliográficas em documentos antigos relativos à exploração do Mato Grosso, assim como entrevistas com várias pessoas (índios, missionários, seringueiros, garimpeiros, condutores de tropas, fazendeiros etc.) que habitavam a Chapada dos Parecis muitos anos antes das pululações tornarem-se notícias. Todos os documentos analisados e testemunhos recolhidos indicam indubitavelmente que:

O problema das pululações acridianas no Mato Grosso é, portanto, muito antigo.

O que é recente é o problema econômico trazido pelos gafanhotos à agricultura implantada na Chapada.


..."Antes de chegar no Xacuruina, corrupção de Sacuriu-iná, passei pela cabeicera dos Três Jacús, onde estabelceu-se um barracão de seringueiros e atravessei um vasto chapadão que me deu pela primeira vez a occasião de observar os assombrosos enchames de gafanhotos que tudo assolam na sua passagem"...


..."De todas as partes, extraordinários enchames de pequenos gafanhotos, incomodavam a marcha dos nossos animais. No acampamento do rio Burity, minha tenda foi invadida por estes insetos esfomeados que danificaram em pouco tempo todas as minhas roupas... (eles eram) em tal quantidade que o céu tornava-se escuro."

Marechal Cândido Mariano da Silva RONDON 4, 1919 (observação referente ao ano de 1907).


"Sempre cruzando chapadões arenosos, onde a sariema grita e o echo não responde, as tucúras toldam o ar, difficultando o caminhar dos cargueiros, e a mamamgabas ferram..."

E. ROQUETTE PINTO 5, 1975 (observação referente ao ano de 1912).

3.5.2. A explicação

Se de um lado o "fenômeno" é antigo, o "problema" dos gafanhotos no Mato Grosso relaciona-se ao começo do desenvolvimento intensivo da agricultura naquele Estado no começo dos anos 80. Assim, as culturas é que foram implantadas nas zonas habituais de pululação de Rhammatocerus schistocercoides.

Os enxames aparecem a partir de abril, apresentando um comportamento de nomadismo muito característico durante toda a estação seca até o início da estação das chuvas, onde eles se reproduzem e tornam-se um pouco sedentários. Esses enxames nômades encontraram naturalmente as zonas cultivadas, causando danos sobre as culturas mais relacionadas à sua alimentação habitual, ou seja, as gramíneas (arroz e cana-de-açúcar, principalmente). Os bandos ninfais encontraram, igualmente, facilidade para invadir as culturas mais próximas, causando também consideráveis prejuízos.

Os novos agricultores, imigrantes oriundos principalmente do sul do Brasil, não conheciam a região e, ignorando antigas notificações, viram suas primeiras colheitas ameaçadas ou destruídas por um inseto que não haviam jamais observado, ainda que componente importante da entomofauna do ecossistema local. A "lenda" de um novo problema foi então criada, enraizando-se muito facilmente, num ambiente cultural particularmente favorável, marcado por temas de problemas ligados ao desmatamento da Amazônia, aos conflitos agrários entre índios e novos agricultores, assim como de críticas às práticas culturais dos novos imigrantes. Na época, o debate foi sempre muito acirrado, mas essencialmente polêmico.

Percebe-se agora, à luz dos fatos reportados acima, que uma influência maior das modificações recentes do ambiente no Mato Grosso (desflorestamento, valorização do cerrado, multiplicação das áreas destinadas às culturas e pastagens, diminuição da fauna selvagem etc.) sobre as pululações acridianas parece baixa.

A hipótese que implicava na criação de novos biótopos favoráveis ao gafanhoto se anula. Os estudos deste projeto revelaram que a criação de novas áreas agrícolas na Chapada teve, ao contrário, o efeito de destruir os biótopos naturais do gafanhoto e suas zonas de reprodução sem as substituir (exceto pontualmente) por zonas igualmente favoráveis (v. item 3.6.). Algumas pessoas entrevistadas pensam mesmo que a importância das pululações poderia diminuir num futuro próximo com o aumento das zonas cultivadas, reduzindo pouco a pouco os sítios possíveis de reprodução do inseto.

Além disso, se existe desequilíbrio ecológico (ou melhor, se existe um novo equilíbrio ecológico), e se o número de inimigos naturais do gafanhoto diminuiu (o que ainda não foi demonstrado), as considerações precedentes mostram igualmente que o papel desses fatores nas recentes pululações é negligenciável. Sabe-se de fato que, entre os acridídeos, os fatores abióticos (especialmente meteorológicos) têm uma influência preponderante no determinismo das pululações, enquanto que, ao contrário, os fatores bióticos são negligenciáveis, qualquer que seja sua diversidade (parasitismo, predação ou doenças), com impacto freqüentemente pontual.

3.5.3. As conseqüências

A constatação mencionada acima conduziu naturalmente a uma revisão radical das concepções atuais sobre o determinismo das pululações e a rejeitar amplamente as hipóteses precedentes, as quais constituiam inclusive a base do presente projeto.

A demonstração da antigüidade das pululações de R. schistocercoides constitui um fato capital, que muda radicalmente a visão sobre o fenômeno e seu determinismo.

Daqui por diante não se pode mais afirmar que as pululações acridianas são a conseqüência da introdução da agricultura intensiva e mecanizada nas novas fronteiras agrícolas dos cerrados do Brasil.

A introdução da agricultura foi neutra ou desfavorável ao gafanhoto. O determinismo das pululações, de fato, necessita ser pesquisado ao nível da variabilidade interanual das condições ecológicas, mais especificamente na grande amplitude das precipitações durante a estação chuvosa e das queimadas durante a estação seca.


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