3.4. O comportamento e a capacidade de dispersão

3.4.1. Os enxames

3.4.1.1. O início

Os enxames de R. schistocercoides nomadizam durante a estação seca, de uma maneira freqüentemente espetacular, principalmente em agosto e setembro, explorando o conjunto das formações herbáceas disponíveis pelo caminho.

Estes vôos, mesmo não tendo as características excepcionais das espécies de gafanhotos migradores da África, por exemplo, não constituem um fato menos impressionante, principalmente para um observador não habituado, por causa da densidade de insetos em vôo, dos deslocamentos maciços e da duração do fenômeno. Um mesmo enxame pode ser observado em vôo contínuo durante várias horas.

Apesar de não haver provas reais, acreditava-se, até o presente, que este gafanhoto era capaz de migrar através de grandes distâncias, principalmente na direção leste, podendo ameaçar os estados vizinhos, em particular Goiás. A partir desta crença, durante muito tempo a estratégia de combate consistiu em tentar impedir os enxames na sua suposta viagem para o leste.

As primeiras observações conduzidas no âmbito deste projeto, revelaram rapidamente que os enxames e as pululações do gafanhoto estavam distribuídos, desde há muito tempo, do leste ao oeste do Mato Grosso, na maior parte das formações vegetais do tipo campo cerrado e cerrado (LECOQ & PIEROZZI Jr, 1995a e item 3.5.); que sua capacidade de deslocamento era aparentemente superestimada e que a direção dos vôos era diferente daquela até então considerada. A avaliação correta do comportamento de vôo e da capacidade de migração dos enxames e fundamental para se determinar a estratégia de combate a ser adotada.

Este inseto seria capaz de se deslocar muito rapidamente através de grandes distâncias, o que faria com que toda ação individual e local de controle, ao nível dos agricultores, corresse o risco de ser pouco eficaz, pois os gafanhotos eliminados localmente poderiam ser rapidamente substituídos por outros de origem mais ou menos distante? Ou seria a sua capacidade de deslocamento muito mais limitada e, assim, as operações de controle preventivo poderiam se revestir de um interesse inegável?

Para garantir elementos de resposta a estas indagações, um estudo detalhado do comportamento dos enxames de R. schistocercoides foi realizado em diferentes localidades da Chapada dos Parecis, no coração das zonas tradicionalmente infestadas.

3.4.1.2. Os fatos

Durante toda a estação seca, os deslocamentos dos enxames permitem uma exploração bastante ampla dos ambientes disponíveis (regiões de cerrado e campo cerrado), numa época onde tais ambientes são, em geral, pouco favoráveis. Com a aproximação da estação das chuvas, os deslocamentos permitem a descoberta de sítios adequados para postura.

O ponto fundamental é certamente que a capacidade de dispersão dos enxames através do vôo é muito mais fraca do que se supunha.

Os estudos realizados permitiram uma caracterização precisa dos enxames de R. schistocercoides e de seu comportamento. Os seguintes pontos foram estabelecidos (LECOQ & PIEROZZI Jr, 1996b): Características gerais dos enxames

Os enxames de R. schistocercoides voam em baixa altitude, sendo do tipo estratiforme (Figura 16). Todos os enxames observados no campo revelaram-se muito semelhantes. Seu tamanho geralmente é modesto: 1 a 5 ha para os enxames em repouso noturno e algumas dezenas de hectares para os enxames em vôo. A altura dos vôos é bem baixa, freqüentemente entre 1 a 5 metros, nunca ultrapassando 10 metros do solo. A densidade dos enxames pousados é geralmente da ordem de 250 a 500 adultos por metro quadrado, sendo que a densidade máxima observada foi de 1.500 adultos/m2. A densidade em vôo pôde ser estimada fotograficamente em 2,73 insetos/m3 em um dos enxames mais densos observados. Esta densidade é certamente próxima à densidade máxima possível e varia, no transcorrer do dia, em função da intensidade da atividade de vôo dos indivíduos.




Figura 16. Enxames em vôo de R. schistocercoides.

(fotografias M. LECOQ)


  • Enxames do tipo estratiformes com comportamento "rolante".
  • Capacidade de deslocamento fraca (máx. 2,5 km/dia).
  • Influência preponderante do vento na direção do deslocamento dos enxames.
  • Orientação dos deslocamentos essencialmente norte-sul e sul-norte.

Comportamento de vôo

Todo dia, após o nascer do sol e se a temperatura permitir, sistematicamente os enxames alçam vôo, seja qual for o tipo de ambiente onde estavam pousados. A atividade de vôo é máxima nos enxames onde os indivíduos estão em curso de maturação e se anula, temporariamente, no momento da postura.

No decorrer do dia, a atividade de vôo varia, sendo que algumas fases podem ser esquematicamente distinguidas:

Os deslocamentos realizam-se em direções variadas, determinadas em 80% dos casos pela direção do vento. As exceções representam uma manifestação da "inércia gregária" dos enxames, que podem demorar várias horas ou até um dia inteiro, para se adaptarem a uma nova direção do vento.

A alternância regular, durante a estação seca (período da presença dos adultos), de ventos do norte e nordeste e de ventos do sul, fazem com que os enxames nomadizem localmente dentro de um raio limitado de distância. Em nenhum caso eles conservam uma direção constante em direção ao leste. Muito pelo contrário, os ventos de oeste, que poderiam favorecer um deslocamento naquele sentido, são raros nesta época do ano (cf. item 3.2.4.). Uma migração regular para o leste - hipótese sustentada por mais de uma década - é portanto totalmente descartada, tendo-se em conta o comportamento de vôo do gafanhoto e as características aerológicas locais.

Uma das características mais marcantes dos enxames de R. schistocercoides é certamente seu comportamento de progressão denominado "rolante" (rolling swarms, em inglês). Trata-se de um fenômeno clássico, descrito para outras várias espécies, mas observado pela primeira vez num gafanhoto brasileiro (Figura 17). Para os enxames deste tipo, apenas uma pequena parte dos indivíduos permanece voando ao mesmo tempo (10 a 15% deles no máximo). Disto resulta que a distância percorrida pelo enxame é bem inferior ao que se poderia supor, avaliando apenas a velocidade dos indivíduos em vôo.

Distâncias percorridas

A distância percorrida diariamente pelos enxames é muito pequena (Figura 18), o que também representa um ponto importante, tendo grande repercussão sobre a estratégia de combate a esta praga (LECOQ et al., 1996). A média das distâncias observadas em setembro não ultrapassa 1.200 m. A média das distâncias percorridas, considerando-se apenas os dias, quando as condições térmicas foram favoráveis, é de 1.600 m. A distância máxima observada foi de 2.500 m. Tratam-se, portanto, de deslocamentos diários de pequena amplitude, sem relação com as distâncias que se supunham serem percorridas pelos enxames, ainda que setembro seja o mês onde os enxames apresentam mais movimento.

É provável que os observadores, superestimando a capacidade de deslocamento do gafanhoto, tenham até agora sido enganados pelo fenômeno do "enxame rolante", confundindo sua característica espetacular de vôo com sua fraca capacidade de progressão, mesmo que a velocidade individual de vôo dos insetos seja freqüentemente próxima à do vento, isto é, da ordem de 15 a 20 km/h.



Figura 17. Comportamento dos indivíduos no interior de um "enxame rolante" de R. schistocercoides (segundo LECOQ & PIEROZZI Jr, 1995h et 1996b).

As flechas indicam o sentido do deslocamento dos indivíduos.



Figura 18. Exemplos de deslocamentos diários de enxames de R. schistocercoides (segundo LECOQ & PIEROZZI Jr, 1995h et 1996b).


3.4.1.3. As conseqüências

O comportamento de vôo dos enxames de R. schistocercoides é clássico e observado em outras numerosas espécies acridianas. Do ponto de vista quantitativo, todos os valores observados (tamanho dos enxames, distância diária percorrida, densidade em vôo etc.) mostram que se trata de uma espécie de fraquíssimo comportamento migratório. Portanto, as hipóteses anteriores, que consideravam forte capacidade de vôo para o inseto, podem ser completamente descartadas.

A progressão diária é pequena. A idéia de trajetórias de várias centenas de quilômetros na direção leste fica abandonada. As condições aerológicas locais e a influência preponderante do vento sobre a direção dos deslocamentos levam os enxames a realizar, durante toda a estação seca, deslocamentos locais do tipo "vai-e-vem", totalmente dependentes dos ventos. Em conseqüência, estes enxames não ameaçam os outros estados do Brasil, em particular, o Estado de Goiás, como foi freqüentemente anunciado no passado.

Tendo os enxames de Rhammatocerus schistocercoides uma capacidade de vôo bem inferior àquela que até agora era considerada e tendo suas pululações uma origem localizada, ações pontuais de controle preventivo poderiam ter sem dúvida, a curto prazo, uma grande eficácia.

Esta discussão será mais detalhada no item 4. deste relatório.

3.4.2. Os bandos de ninfas

3.4.2.1. Os fatos

O estudo do comportamento dos bandos de ninfas foi realizado visando a complementação do conhecimento sobre a capacidade de dispersão de R. schistocercoides e constituindo mais um dado fundamental para o estabelecimento de uma estratégia de combate ao inseto. As observações foram efetuadas em diferentes momentos do desenvolvimento ninfal. Um estudo mais intensivo foi conduzido durante o mês de janeiro de 1996, na região de Uirapuru, parte oeste da Chapada dos Parecis (Município de Comodoro), acompanhando o desenvolvimento de bandos de idade mediana (ninfas dos estádios 5 e 6).

De uma maneira geral, os bandos ninfais apresentam-se amplamente distribuídos no interior e nas vizinhanças das zonas de campo e campo cerrado sobre solo arenoso. Os bandos são de tipo mais ou menos "amebóide" ou ovóide (Figura 19). A área média ocupada por eles é da ordem de 1.000 m² para bandos jovens (ninfas dos estádios 1 e 2); 2.500 m², em janeiro e fevereiro, para bandos com indivíduos de estádios 5 e 6; 5.000 m², em abril, para bandos com ninfas de último estádio (N8). Cada bando apresenta uma frente bastante clara, mais ou menos em forma de crescente, onde a densidade de ninfas é máxima. Esta densidade (verificada com a ajuda de um biocenômetro 3) é geralmente mediana, da ordem de 5.000 a 10.000 ninfas/m² para bandos jovens; 2.500 a 5.000/m² para bandos de idades medianas e 250 a 500/m² para bandos mais desenvolvidos. O maior bando observado constituiu-se essenciamente de ninfas do estádio 6, apresentando uma frente de aproximadamente 160 m de largura por 15 metros de comprimento e uma parte estendendo-se posteriormente cerca de uma centena de metros.

As distâncias diárias percorridas pelos bandos variam com a idade dos indivíduos. Para bandos constituídos por ninfas de estádios 5 e 6 (estudados detalhadamente), tais distâncias são em média da ordem de 50 m (30 a 75 m, em geral). O maior deslocamento diário observado para estes estádios foi de 180 m. Os deslocamentos diários realizam-se em diversas direções, aparentemente aleatórias. A densidade dos bandos é geralmente muito elevada, sendo que em janeiro de 1996, na região de Uirapuru, foi avaliada em cerca de 8 bandos/ km².

3.4.2.2. As conseqüências

Os dados obtidos sobre a distribuição e o comportamento dos bandos ninfais reforçam os resultados adquiridos sobre os enxames em relação à fraca capacidade de dispersão desta espécie e à natureza essencialmente local do problema acridiano no Mato Grosso.

Os bandos de ninfas existem, mais freqüentemente, nas proximidades imediatas das zonas cultivadas, de algumas centenas de metros a alguns quilômetros de distância, no máximo. Os bandos próximos constituem ameaça significativa para as culturas. Esta ameaça aumenta com a aproximação da estação das chuvas, o desenvolvimento das ninfas e o aumento de sua capacidade de deslocamento. Estes bandos são, em abril, os que originam os enxames nômades, que podem invadir as plantações posteriormente.

No entanto, estes bandos, ainda que próximos às zonas cultivadas, passam geralmente despercebidos, uma vez que estão fora de áreas habitualmente freqüentadas pelas populações humanas locais. Falta a eles a característica espetacular dos enxames. Além disso, mesmo sendo muito abundantes e em forte densidade, eles são muito discretos no interior de uma vegetação natural, que lhes serve de refúgio e alimentação.

Finalmente, percebe-se que não é necessário, para explicar os danos num determinado local, responsabilizar populações acridianas de origem distante (vindas, por exemplo, das reservas indígenas, mesmo que estas tenham provavelmente um papel não negligenciável na dinâmica global das populações do gafanhoto na região da Chapada dos Parecis - cf. item 3.6.2.). Na verdade, as populações acridianas perigosas estão sempre muito próximas das culturas e passam a maior parte da estação das chuvas protegidas nas zonas de campo e campo cerrado, vizinhas às áreas cultivadas. Assim, são estas populações que merecem, inicialmente, maior preocupação.

Como no caso dos enxames, estes fatos reforçam fortemente a importância de uma estratégia local de controle preventivo, dirigido fundamentalmente contra as ninfas.



Figura 19. Exemplo de um bando de ninfas de R. schistocercoides (ninfas de estádio 6 observadas em janeiro de 1996).

A flecha indica o sentido do deslocamento dos indivíduos.


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