3.3. A biologia e a ecologia

3.3.1. Morfologia e identificação

R. schistocercoides é uma espécie de gafanhoto de tamanho grande, fácil de ser identificada e distinguida de outras espécies relacionadas e pertecentes ao mesmo gênero (Tabela II).

A coloração geral é bastante variável, marrom, verde ou com estas duas cores juntas. Certos indivíduos apresentam grandes manchas negras sobre as partes laterais da cabeça e do pronoto (Figura 10). Foi possível demonstrar que a coloração dos adultos muda no decorrer de sua vida e tal mudança está relacionada com a maturação sexual (cf. item 3.3.6.).

Apesar desta variabilidade, a pigmentação das patas posteriores é uma característica constante. O fêmur posterior é colorido de azul escuro na sua face interna e ínfero-interna; uma grande mancha negra está igualmente presente nesta face interna. As tíbias posteriores são vermelho-laranja vivo na metade basal e azul intenso na metade apical.

Os estádios ninfais de R. schistocercoides foram descritos pela primeira vez (Figura 11). O número real de estádios é bem superior àquele suposto até o presente. Os resultados obtidos neste estudo mostram claramente a existência, na maioria dos indivíduos, de 8 estádios ninfais muito claramente diferenciados, sendo que uma parte da população pode passar por 9 estádios (LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994b).

A consideração simultânea de vários parâmetros, como o número de estrias oculares e antenômeros, comprimento do corpo e forma das tecas alares, confere uma grande segurança na identificação do estádio ninfal. A Tabela III fornece uma síntese dos resultados, ressaltando apenas os principais critérios úteis para a identificação dos estádios. O reconhecimento do número exato de estádios ninfais constituía um pré-requisito indispensável para embasar todo o estudo de dinâmica das populações do inseto.

Aspectos reprodutivos de R. schistocercoides, como suas oviposições e a estrutura da ooteca, puderam igualmente ser estudadas e analisadas em detalhes (LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994a) (Figura 12).



Figura 10. Adultos de R. schistocercoides.
(fotografias M. LECOQ)


Tabela II. Algumas medidas morfométricas clássicas de adultos de R. schistocercoides.

Sexo Média Desvio
Padrão
Mínimo Máximo
Fêmeas (n = 944)
E
F
C

4.08
2.54
0.67

0.18
0.12
0.03

3.32
2.09
0.56

4.85
2.88
0.76
Machos (n = 934)
E
F
C

3.64
2.34
0.60

0.14
0.09
0.03

2.64
2.06
0.45

4.04
2.58
.067

Medidas em mm; E, comprimento do élitro; F, comprimento do fêmur posterior; C, largura máxima da cabeça; n, número de indivíduos estudados.

Tabela III. Principais critérios de identificação dos estádios ninfais de R. schistocercoides (segundo LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994b).

Estádios 1 2 3 4 5 6 7CP 8CG
7B 8CP 9CG
Estrias oculares 0 1 2 3 4 5 6 6 7 7 8
Antenômeros 
-mín.
-máx.

11
12

14
15

16
17

18
19

20
20

21
22

23
23

23
23

24
25

24
25

26
27
Comprimento do
corpo (mm)
8 9 11 14 17 19 21 22 25 27 29
Tecas alares 0 0 0 0 B B CP B CP CG CG
Comprimento do
olho composto (mm)
0.9 1.0 1.2 1.6 1.8 2.1 2.5 2.5 2.8 2.9 3.1

Tecas alares dirigidas para baixo, B, ou dirigidas para cima e de tamanho pequeno, CP, ou dirgidas para cima e de tamanho grande, CG.


Figura 11. Os 8 estádios ninfais principais de R. schistocercoides (segundo LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994b).


A escala representa 1 mm.


Figura 12. Ootecas de R. schistocercoides (segundo LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994a).

A, B, vistas externas; C, corte longitudinal ; 1, opérculo ; 2, matéria espumosa ; 3, espaço vazio ; 4, invólucro (vista externa) ; 5, larvas prestas a eclodir ; 6, invólucro (secção) ; 7, fragmento de córion.


3.3.2. Ciclo biológico

Em linhas gerais, o ciclo biológico de R. schistocercoides já era conhecido no início deste projeto (COSENZA et al., 1990). No entanto, foi necessário estudá-lo com mais detalhes.

Alguns pontos obscuros puderam ser melhor compreendidos a partir de observações realizadas em condições de campo, acompanhando as populações em seu ambiente natural com amostragens regulares. Estudos sobre a diapausa imaginal, maturação sexual, oviposição, duração do desenvolvimento ninfal, número de estádios, muda imaginal, entre outros, puderam ser acompanhados e detalhados. Dados aparentemente já conhecidos (e divulgados) foram revisados, como o caso do número de estádios ninfais, que revelou-se mais elevado do que se supunha no início deste trabalho: 8 ou 9 estádios, ao contrário de 5 ou 6. Também o tempo de desenvolvimento foi melhor determinado, sendo tais estudos realizados em condições estritamente naturais (Tabela IV) (metodologia de LECOQ, 1975, 1978).

Em termos gerais, R. schistocercoides possui apenas uma única geração por ano (ciclo univoltino) (Figura 13). As ninfas desenvolvem-se lentamente, na estação das chuvas, enquanto os adultos apresentam-se durante a estação seca e se reproduzem no começo da estação chuvosa seguinte. As posturas são feitas entre o final de setembro e o final de outubro, coincidindo com o início das chuvas na região. O desenvolvimento embrionário dura mais ou menos uma quinzena. As ninfas desenvolvem-se durante todo o decorrer da estação chuvosa, do final de outubro a meados de abril (LECOQ & PIEROZZI Jr, 1994b). Os adultos aparecem em meados de abril e passam uma grande parte da estação seca, de maio a setembro, em estado imaturo, aparentemente em diapausa. Nas fêmeas, os ovários não funcionam e seu volume mantém-se muito reduzido. As atividades reprodutivas iniciam-se a partir do final do mês de agosto, independentemente da chuva, conduzindo às primeiras posturas no final de setembro (LAUNOIS-LUONG & LECOQ, 1994, 1996). Esta suspensão do desenvolvimento durante a estação seca dura aproximadamente 4 meses, de meados de abril a meados de agosto. O período de maturação sexual dura em torno de 1 mês (final de agosto a final de setembro); as posturas são feitas em cerca de 15 dias e aparentemente não há mais de 3 oviposições/fêmea (1,5 em média).

R. schistocercoides possui um comportamento gregário muito marcante. A espécie forma bandos de ninfas de algumas centenas a alguns milhares de metros quadrados e enxames cujo tamanho é geralmente modesto no solo, abrangendo alguns milhares de metros quadrados e podendo atingir alguns hectares. O tamanho dos enxames, em vôo, no entanto, pode ser muito maior (cf. item 3.4.1).

A Figura 14 representa a dinâmica anual de R. schistocercoides na Chapada dos Parecis. Trata-se de um ciclo mediano, quando se considera as características (tamanho e densidade) correntemente observadas para os bandos ninfais e enxames, assim como os valores médios, observados ou supostos, de taxas de natalidade e mortalidade nos diferentes estágios biológicos. Os valores selecionados permitem chegar a um ciclo estável (um enxame de 1 ha com densidade de 250 adultos/m2 originam no ano seguinte uma formação idêntica. Estes valores são coerentes com aquilo que se conhece da dinâmica geral das populações de outras espécies de gafanhotos. Evidentemente, segundo as condições ecológicas do momento, os valores de natalidade e de mortalidade poderão variar consideravelmente, levando à diminuição ou aumento mais ou menos significativos dos efetivos populacionais do inseto.



Figura 13. Ciclo biológico de R. schistocercoides.

O, ovos; N1 a N8, estádios ninfais; IM, adultos imaturos ; S, adultos em maturação sexual; P, adultos em período de postura; M, capacidade de deslocamento dos enxames (de 0, nula, a 4, forte); PP, precipitações.



Figura 14. Exemplo da dinâmica anual de R. schistocercoides na Chapada dos Parecis.


As características de tamanho e de densidade dos bandos de ninfas e dos enxames são aquelas geralmente observadas (valores aproximados). As seguintes hipóteses foram consideradas (os valores apresentados podem variar em função das condições ecológicas do momento):


Tabela IV. Duração média dos estádios ninfais de R. schistocercoides em condições naturais na Chapada dos Parecis.

Estádios 1 2 3 4 5 6 7 8 Total
Duração
(dias)
4 8 15 20 23 29 33 36 168

N.B. Estes valores foram determinados graficamente a partir de resultados de amostragens regulares com indivíduos coletados no campo de populações naturais que se desenvolviam livremente.


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