3. OS RESULTADOS DO PROJETO


3.1. Metodologia

Face às diversas hipóteses, nunca comprovadas mas sempre aventadas como argumentos de autoridade e face às polêmicas alimentadas pela incompreensão mútua das partes envolvidas, convinha estabelecer as bases científicas para um entendimento global do problema acridiano no Mato Grosso, gerando indicadores para uma estratégia razoável de controle da praga.

Uma metodologia original e inédita no Brasil, em termos entomológicos, foi então elaborada, destinada a abordar o problema num contexto bioecológico mais geral possível. Era conveniente, em particular, esclarecer o ciclo biológico do gafanhoto em seu ambiente natural; identificar e caracterizar exatamente seus biótopos, sua ecologia e o determinismo de suas pululações, antes de poder considerar a influência real do desenvolvimento recente da agricultura e propor uma revisão das estratégias de controle da praga.

Os métodos e as técnicas de pesquisa utilizadas integraram recursos muito variados. Foram realizadas desde enquetes com habitantes do Mato Grosso até a utilização de imagens de satélites. Foram desenvolvidas pesquisas biológicas, etológicas, ecológicas, bibliográficas, históricas, econômicas, cartográficas, meteorológicas ou relacionadas às novas estratégias de combate. Diversas parcerias também foram estabelecidas (Anexo 3).

Deve-se ressaltar que todos os resultados sobre o gafanhoto foram obtidos por estudos intensivos em condições de campo e pela amostragem de populacões naturais. A ausência quase total de trabalhos de pesquisa e a pequena importância dada aos trabalhos de ecologia em condições de campo em detrimento de estudos de laboratório explicam, sem dúvida, o mal entendimento da natureza exata dos fenômenos acridianos no Mato Grosso.

Aliás, a importância dada à utilização de imagens de satélites, neste projeto, merece igualmente menção especial. Trata-se, no Brasil, de uma ferramenta inédita para abordagem de um problema entomógico de importância econômica.

3.2. O habitat

3.2.1. Seus limites

No início deste projeto, a espécie era conhecida unicamente como sendo oriunda do Brasil, principalmente do Mato Grosso, assim como dos estados vizinhos de Rondônia, Goiás e Mato Grosso do Sul, sempre com distribuição próxima à fronteira com o Mato Grosso (REHN, 1906; CARBONELL, 1988).

Pesquisas realizadas em coleções de diversos museus e as informações provenientes dos trabalhos do campo tendem a mostrar que R. schistocercoides é de fato uma espécie acridiana de distribuição provavelmente mais ampla, distribuída nas zonas de savanas da América Central e do Sul. O inseto já foi coletado na Colômbia, Bolívia, Peru, México, Costa Rica, Uruguai e sul do Brasil 1. Em 1996, algumas pululações locais foram sinalizadas nos Estados de São Paolo e Minas Gerais, no Brasil (COSENZA, c.p.).

Entretanto, esta espécie é muito rara fora das regiões onde as características ecológicas não favoreçam suas pululações. Há indicações (segundo tradições indígenas) que existe também uma zona de pululações nas savanas colombianas ("llanos", equivalentes aos campo cerrados brasileiros), localizadas no leste do país (JAIME A. JIMENEZ GOMEZ, c.p. - identificação da espécie pessoalmente verificada pelos autores e por C. AMEDEGNATO, especialista do Museu Nacional de História Natural de Paris). Há alguns anos, R. schistocercoides causa danos naquelas regiões e o fenômeno lembra bastante aquele observado no Mato Grosso.

No Brasil, a região da Chapada dos Parecis sensu lato, representa certamente a zona mais ativa de pululação da espécie. Esta zona se estende de Vilhena, em Rondônia, até Canarana e Rio Araguaia, no leste do Estado de Mato Grosso, abrangida pelas coordenadas geográficas 52° a 61° de longitude Oeste e 12° a 15° de latitude Sul. Trata-se, esquematicamente, de uma faixa de vegetação do tipo campo cerrado e cerrado, situada imediatamente ao sul da floresta amazônica. Duas zonas principais de pululação podem ser aí distinguidas. A primeira se situa entre o Rio Juína, a oeste, e o Rio Arinos, a leste. Esta é uma zona de pululação quase permanente, mesmo considerando que a intensidade do fenômeno varie muito de um ano para outro. A segunda zona, onde as pululações significativas parecem ser bem menos freqüentes, se estende do oeste de Paranatinga até a região de Canarana, a leste (Figura 1).

3.2.2. Geomorfologia e solos

A área brasileira de pululações de R. schistocercoides restringe-se à zona da Chapada dos Parecis s.l., representada esquematicamente na Figura 2 e é limitada a oeste pela depressão do Rio Guaporé, ao sul pela depressão do Rio Paraguai e depressão de Paranatinga e a leste pelo vale do Rio Araguaia. Este planalto de altitude, compreendido entre 500 e 750 m, é levemente inclinado em direção ao norte, dominando as depressões na sua parte sul por um rebordo em falésia.

A região tem topografia relativamente plana, percorrida por cursos d'água permanentes e regularmente distribuídos. Ao norte, a área de habitat de R. schistocercoides se interrompe no limite da zona florestal (Figura 3). O substrato geológico é constituído essencialmente de rochas sedimentares do terciário e do quaternário. Os solos são principalmente solos distróficos do tipo solos quartzosos e latossolos vermelhos. Somente a depressão de Paranatinga s.l. tem cobertura metamórfica, com um substrato do Primário (RADAMBRASIL, 1979-1982).

3.2.3. Vegetação

A área de pululação de R. schistocercoides corresponde, no interior da zona descrita anteriormente, às regiões cobertas de savanas herbáceas (campo) e de savanas arborizadas (campo cerrado e cerrado). Estas formações constituem a vegetação dominante, mas existe igualmente grandes zonas de florestas: floresta ombrófila mais ou menos densa, floresta decídua ou semi-decídua (Figura 3).

As principais formações vegetais da área de pululação do gafanhoto foram cartografadas no âmbito de execução deste projeto. O impacto das queimadas, tradicionalmente utilizadas pelos índios, sobre a fisionomia do cerrado parece considerável. Estes diversos aspectos serão detalhados mais adiante (ítens 3.6.4. e 3.7.).



Figura 2. Topografia da área de pululação de R. schistocercoides no Mato Grosso e Rondônia (fundo topográfico segundo SIMIELLI, 1993).


Nesta região, a empresa agrícola é recente e a colonização humana progrediu de maneira considerável a partir dos anos 1970-80. Observa-se, atualmente, um predomínio de grandes propriedades agrícolas com culturas intensivas totalmente mecanizadas de cana-de-açúcar, soja, milho, arroz e igualmente grandes áreas de pastagens naturais ou artificiais.


É muito conveniente mencionar aqui a descrição da Chapada dos Parecis feita por Claude LEVI-STRAUSS, lembrando-se do contexto dos anos 30, quando os deslocamentos pela região realizavam-se sobre o dorso de mulas:

   "Ao redor de 1900, o planalto setentrional era ainda uma região mítica, onde acreditava-se existir uma cadeia de montanhas, a Serra do Norte, que até mesmo figurava nos mapas da época (...) A imagem do nordeste, onde estão as terras malditas do Brasil, descritas por Euclides da Cunha em Os Sertões, na Serra do Norte se revelava uma savana semi-desértica e uma zona das mais ingratas do continente. (...) Um país infecto, absolutamente infecto, mais infecto que qualquer outro (...)... o chapadão. É um outro mundo que se abre. A relva rude, de um verde leitoso, mal dissimula a areia branca, rosa ou ocre, produzida pela decomposição superficial do solo quartzoso. (...) sempre dominando uma impressão de imensidão. O solo é tão compacto, as declividades tão fracas que o horizonte se estende sem obstáculo até a dezenas de quilômetros; passa-se meio dia percorrendo uma paisagem, desde a manhã, repetindo exatamente aquela atravessada anteriormente, de sorte que percepção e lembrança se confundem numa obscessão de imobilidade. Por mais longe que esteja a terra, é tão uniforme, tão desprovida de acidentes que o horizonte se confunde com as nuvens".

LEVI-STRAUSS C., 1955.



Figura 3. As grandes zonas de vegetação da área de pululação de R. schistocercoides no Mato Grosso e Rondônia (segundo RADAMBRASIL, 1979-1982).

 Em branco, as zonas de savanas (campo cerrado e cerrado); em preto, as zonas de florestas; em quadriculado, as zonas fora do território brasileiro.


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